quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Escritora

Olhando pela varanda o pequeno bosque já tornara-se invisível, com o cair da noite. Os pássaros não faziam mais nem um barulho sequer. Apenas ouvia-se o ruído baixo dos carros passando longe, na rua ao lado e o som quase inaudível do rádio no quarto ao lado. O ambiente perfeito para uma escritora trabalhar.
Mas ela tornara-se um estorvo na vida de todos na casa. Não trabalhava mais. Nada fazia. Estava deprimida.
Os livros jaziam sobre a mesa do quarto. Ninguém ousava ao menos tocá-los, mesmo que para guardar. A cama estava sempre ocupada. Ela estava lá, deitada, praticamente morta, desligada de tudo o que ocorria em volta. O computador onde tantas vezes escrevia animadamente seus contos permanecia desligado. As canetas, os cadernos e as várias folhas amassadas ainda estavam no chão, ao pé da cama esperando ansiosamente uma nova história para preencher-lhes o espaço vazio. A caneca onde sempre era servido o tradicional café forte ainda estava lá, ao lado de tantas memórias, vazia.
Tantas vezes ela descrevera a depressão, a tristeza, o medo, a desconfiança. Em tantas histórias seus personagens ultrapassaram barreiras fortes, perdas e dores, mas nunca desistiam. Eram fortes. Mas ela não. Ela estava lá, ainda deitada na cama esperando que a vida voltasse a ser feliz. A perda de sua inspiração a havia tomado todas as forças. Seu rosto tornara-se uma máscara triste, pálida, sem esperanças.
Apenas o rádio deixava o quarto com um pouco de vida. A música não saía do ambiente. Tristes e alegres estavam lá, sendo acompanhadas pela voz suave da escritora. A máscara movia-se lentamente para acompanhar as letras das canções que alegravam levemente o quarto.
As crianças que moravam na rua sempre a procuravam, esperando que ela lhes contasse novas histórias. Ficavam sentadas por horas, escutando a escritora cantar suavemente. As histórias ficavam sempre para o outro dia. Tal dia nunca chegaria, diziam alguns. Os adultos aguardavam ansiosamente que seus filhos voltassem com notícias dela. Era muito querida no bairro onde morava, mas sempre fora fechada e não tinha muitos amigos próximos. Encontrara companhia em livros e jamais achou necessário buscar mais alguém para compartilhar suas aventuras. Apenas conhecera uma pessoa, e entregara-se completamente, fazendo dela sua inspiração.
Mas ele se fora, com o tempo todos vão, nada é eterno. A escritora desistira de viver. Não era velha. Talvez ainda não tivesse alcançado seus 30 anos, era impossível determinar. A máscara não deixava. Mesmo com tanta beleza desistira de buscar outra maneira de ser feliz, apenas desejava ter seu amor de volta. Ninguém sequer imaginava o que tinha acontecido ao noivo. Num dia estava lá e no outro havia desaparecido. Muitos dizem que fugira, por medo ou buscando atenção, não se sabe. Outros dizem que encontrou outro amor e resolveu abandonar a escritora. Alguns dizem que ele estaria morto. Muitos são os rumores, mas nada é confirmado.
A escritora passara meses aguardando seu amado, sua inspiração, a razão de sua vida, mas ele não retornara.
Cansada de apenas esperar ela levantou-se certo dia, no meio da noite e caminhou até a varanda, munida de lápis, borrachas e algumas folhas em branco. A família apenas observava em silêncio os passos cuidadosos da escritora. A tão querida filha mais nova, o orgulho de toda a casa.
Pelo descostume andar tornara-se uma tarefa árdua. Passo após passo ela apoiava nos móveis e nas paredes por todo o caminho, desde o quarto, de onde saía ainda a música suave até a varanda.
Olhando pela varanda o pequeno bosque já tornara-se invisível, com o cair da noite. Os pássaros não faziam mais nem um barulho sequer. Apenas ouvia-se o ruído baixo dos carros passando longe, na rua ao lado e o som quase inaudível do rádio no quarto ao lado. Sentara-se à pequena mesa e começara a arranhar o papel com a ponta de um dos lápis. Contou toda a sua saudade, todo o seu amor, toda a sua dor e descreveu com detalhes a sua depressão. Contou sobre as crianças e sobre seus pais, contou sobre a música e sobre as estrelas que observava todas as noites.
Poucos leram aquele texto, mas diziam que era o mais belo. Ainda mais perfeito do que uma melodia ao piano, que uma obra de Shakespeare, que um amor real. A dor transformou o amor em poesia. Fora o último texto daquela escritora, que perdera para sempre sua maior inspiração: seu amor próprio, sua auto-estima, sua vida.

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